terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Na real, GDDD - Governo Dilma Defende Ditaduras



Láurence Raulino(*)

Antes mesmo de tomar posse na Presidência da República, Dilma Roussef acenou com uma reorientação na política de relações exteriores do país(marcada no "Governo Lula" por uma inédita inserção internacional - justificada pela determinação louvável, mas obsessiva dele em levar o Brasil a participar do Conselho de Segurança da ONU, como membro permanente -, embora no perfil da mesma fosse visualizado também um traço expressivo de apoio a ditaduras, mundo afora...), ao condenar a sistemática violação aos direitos humanos no Irã - principalmente em desfavor da afirmação feminina -, que naquele momento voltava à ameaça de executar sentença de morte, com apedrejamento, contra Sakineh Mohammadi Ashtiani - virtual mártir e símbolo de resistência à misoginia islâmica -, então acusada de homicídio e adultério, isso no âmbito de um controvertido processo judicial, nas trevas do próprio ordenamento jurídico-religioso do Estado persa.

Dali, com aquele aceno, Dilma Roussef começou o esboço de um compromisso do Estado brasileiro, durante o seu governo, de voltar-se à defesa dos direitos humanos no plano internacional. Tal compromisso, no entanto, embora tenha se mantido no discurso governamental, ao seu início, não demoraria para ser abortado na prática, face às suas contradições com a anterior e persistente estratégia brasileira de "desalinhamento político" em relação ao países do G7 e ao capitalismo central, de um modo ostensivo e oportunista, vez que equivocadamente traçada com vistas à conquista de novos mercados para as exportações brasileiras - num elenco de economias pequenas e débeis, supondo-se verdadeira a justificativa -, mas também, e destacadamente com a finalidade de obtenção, para o Brasil, daquela cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU.

Os primeiros sinais de que o discurso do "Governo Dilma", de defesa e afirmação dos direitos humanos, no plano internacional, não convergia, nas relações internacionais, com a sua prática, vieram junto com os movimentos iniciais da auspiciosa "Primavera Árabe", que começou na Tunísia, com a revolta popular que levou à deposição e fuga do ditador Ben Ali, e logo em seguida no Egito, com a revolta popular eqípcia e a deposição do velho ditador Mubarack. Ali a Chancelaria brasileira começaria a sinalizar que o discurso em favor dos direitos humanos da Dilma e a prática das relações internacionais do Itamaraty não se encontravam, pois ambas as ditaduras - a tunisiana e a egípcia - foram inicialmente contemporizadas. Apenas quando os fatos tornaram-se consumados, ou irreversíveis... - céleres, em Túnis, e relativamente demorados no Cairo - foi que o Brasil apoiou e chancelou os levantes populares. Converteu-se, assim, em caudatário da cúpula da ONU, do G7 e de seus aliados.

Depois veio o levante da Líbia, longo e doloroso para aquele heróico povo do deserto, que por fim defenestrou do poder o coronel Muamar Kadafi(ou Gadafi), dali apeado com o apoio de "ex-aliados"(ou melhor, clientes petrolíferos) europeus - franceses e ingleses, mas também, e principalmente do italiano Berlusconi, "numa traição que lhe fora imposta pelas circunstâncias" -, além dos Estados Unidos, após mais de quarenta anos desde que o próprio se instalara no trono ditadorial, com um golpe de Estado, para fazer uma revolução, modernizadora...., e blábláblá. O livro verde - uma provável paródia islâmica ao vermelho do chinês e comunista Mao-Tsé-Tung -, que no decurso das quatro décadas do "poder kadafiano" guiara "a revolução líbia", no entanto, não passou de uma tapeação ao povo, que viu-se massacrado por uma oligarquia sanguinária e cruel, comandada pelo coronel e líder da "esquerda islâmica", que partilhava com os seus filhos e uns poucos áulicos a fabulosa riqueza do petróleo líbio. Dilma resistiu até o fim em colaborar com a primavera árabe libiana, que se afirmaria com a captura e a execução sumária do já velho beduíno.

Afora as evidentes e inequívocas contradições da Dilma, operadas entre o discurso de afirmação e defesa dos direitos humanos com a política que o Itamaraty desenvolvia - e ainda desenvolve - como resistência na manutenção de suas alianças com ditaduras, dentro e fora do mundo árabe, num pragmatismo no limite do cinismo, até à capitulação, há também demonstrações internas que exemplificam essas contradições..., entre o discurso e a prática de seu governo no campo da política externa. A recusa dela em conceder audiência à advogada iraniana Shirin Ebadi, prêmio Nobel da Paz de 2003 e renomada ativista dos direitos humanos, quando esta esteve em Brasília, no início do mês de junho de 2011, é apenas mais uma demonstração daquelas contradições. Ali ficou mais que visível a sua preocupação em não "desagradar" o aliado Ahmadinejad e os aiatolás iranianos, os chefes dele. Para as cucuias, portanto, o seu discurso contrário às gritantes violações aos direitos humanos no Estado persa.

Fora do Brasil, outra contradição do "Governo Dilma", similar "ao episódio Shirin Ebadi", entre discurso e prática no campo da política externa, concernente à afirmação e defesa dos direitos humanos, se deu recentemente, quando da visita da presidenta a Cuba. Ali, então, nem a blogueira e ativista dos direitos humanos Yoani Sánchez - protocolarmente favorecida de véspera, pelo Itamaraty, com um visto para visitar o Brasil -, nem outras expressões da área - como "as damas de branco", por exemplo - foram favorecidas com qualquer aceno de apoio à luta contrária à ditadura fidelista, condenada dentro e fora do continente por suas constantes e históricas violações aos direitos humanos na bela ilha caribenha.

Ademais de todas as contradições entre o discurso governamental em favor dos direitos humanos e a sua prática pelo Itamaraty, vieram o mundo e o país a saber, por todas as mídias, nesta semana que segue o pós-carnaval, que o Brasil, no Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas(ONU), criticou a forma como potências e países árabes têm pressionado o ditador Bashar Assad, ao qual vem sendo atribuída a responsabilidade pelo assassinato de oito mil compatriotas, inclusive mulheres, velhos e crianças aí na conta. E o pior de tudo, e o mais absolutamente absurdo dessa crítica, que se constitui em defesa indireta de Assad, é que a mesma foi feita por um discurso, em Genebra, da ministra Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos Humanos, que ali condenou a ideia de armar a oposição síria, bem como iniciativas diplomáticas fora do âmbito da entidade - alfinetada indireta no grupo "Amigos da Síria", formado por americanos, europeus e árabes. Ou seja, a ministra brasileira dos Direitos Humanos usa uma tribuna internacional para, indiretamente, defender uma ditadura sanguinária e o seu ditador, que massacra populações inteiras indefesas, as quais, ao entendimento subjacente da auxiliar da presidenta, pelo que se deduz na prática e em sua urgência, deveriam permanecer indefesas, nos enfrentamentos com os exércitos do ditador, que não para de matar, banhando a Síria de sangue..., ao tempo em que procura dissimular, interna e externamente, com iniciativas políticas reformistas no país, para inglês...

A que ponto, seguindo os passos de seu antecessor, chega o "Governo Dilma", na Defesa de Ditaduras, hein!

(*) - advogado, escritor e articulista.