quinta-feira, 4 de agosto de 2011

A última encarnação de Borba Gato(Capítulo X - O retorno de Raquel)

Decorridos sete anos de casamento, praticamente -
pois faltava um mês, apenas, para aquele fatídico aniversário, como ainda hoje é tido entre alguns crentes de diferentes matizes o temido setênio, que traria para a tradicional união uma crise cabalística junto com o número, Raquel e Gilberto encontravam-se tal e qual dois irmãos adultos que dividiam
uma mesma e única moradia. Estudiosa de filosofia à maneira clássica, no entanto, ela não fazia o tipo fácil e comum que arriscava-se em aventuras e buscas distantes dos parâmetros rígidos daquele conhecimento, como os que dali saem e voltam-se pelos caminhos incertos e duvidosos do saber, tão somente por se acharem atraídos ou guiados pela fé - qualquer fé, que os leva a experiências exóticas e desconhecidas. Não,a gêmea loira não era supersticiosa nem aventureira nas coisas da cabeça, mas o que havia nesta fora daquilo que foi convencionado chamar-se de racional e que partia para o campo lá bem demarcado, ampla e vastamente, da libido, a poderosa e sempre enigmática libido, que todos possuem - em uns mais exposta, em outros menos -, era o que vinha a ser a própria razão de sua vida. Com o marido, exclusivamente, todavia, essa razão submergia.

Gil, na verdade, desde que casou-se com Raquel
jamais a atendeu plenamente como homem, mas isso não a
impediu de ter com ele outras grandes alegrias e satisfações, que o casal encontrou através de uma convivência peculiar e de características específicas. A mesma baseava-se na confluência de aspectos complementares existentes nos temperamentos dos dois, que a vida na fazenda evidenciaria de forma extremamente benéfica e positiva, embora de um
modo paradoxal e surpreendente, na medida em que
contrariava aqueles prognósticos simples e fáceis, vez que o percurso do entendimento seria feito também pela via difícil da superação de muitas contradições, que os levaria a passar por cima de todas as suas diferenças e idiossincrasias. Como decorrência desse providencial processo, marido e mulher estabeleceram um pacto implícito e silencioso de bem viver que incluía uma tolerância absoluta, mas velada, em relação
às incursões que ela desenvolvia na busca de realização dos desejos mais íntimos e profundos que sentia.

Logo que fixou-se induvidosamente nas mentes de Gil
e Raquel a concepção afinada e simultânea de que haveria
entre eles um ajuste daquela natureza, ela deixaria de
dissimular e de tentar esconder encontros como os que ainda mantinha de tempos em tempos com Adão, em Brasília, e mesmo os rotineiros, como os que há muito vinha tendo com o tratador de cavalos, nos fundos da fazenda. Destes, aliás, a gêmea loira, na realidade, já desistira na semana anterior à do início do mês que faltava para completar o setênio conjugal,
simplesmente por inteiro e genuíno abuso que tomou da
pessoa – o peão que cuidava dos eqüinos, isso de uma forma tal que nem a própria força dos seus instintos, com todas as necessidades que tinham – que não eram poucas, a levariam a retomar o relacionamento, por mais breve e fugaz que fosse o retorno. Aquilo era devido, única e tão somente, à tardia constatação de que o parceiro habitual era desprovido de um
cérebro apto e versátil para conduzi-la pelos caminhos que a transportariam aos verdadeiros destinos dos melhores prazeres e êxtases da vida, como fazia-lhe o cunhado.

O que estava impelindo Raquel à decisão de deixar a
fazenda e o marido, portanto, nada tinha a haver com coisas ligadas ao universo do misticismo e de suas alegorias, muito menos a razões concretas, mas subjetivas, como as que provinham do decurso de supostos desgastes das relações matrimonias ao cabo de certo tempo de convivência.

Não, a mulher de Gil partiria apenas para buscar reviver com o exnamorado e eventual amante as relações que anteriormente estabeleciam-se com mais assiduidade e constância, apesar da irmã e da mãe por perto. Na mente da gêmea loira, assim, o fim da distância que a separava de Adão resolveria todas as necessidades do feminino que manifestava-se profunda e fortemente no seu íntimo, do qual sentia vir exigências bem maiores que antes, especialmente no tocante à qualidade daquilo que esperava receber de um homem; então, as expectativas ali existentes eram as de uma bela e exuberante balzaquiana que, embora sem exibir no rosto e no corpo - que ainda aparentavam vinte e poucos anos -a nova condição, sabia o que pensava e o que queria da vida, pois o sereno e maduro olhar que fitava esta, a única inversão na sua sugerida juventude, assim o dizia.

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