terça-feira, 14 de junho de 2011

O ópio, em breve síntese






Ficção mais recente do escritor Láurence Raulino,
este romance foca o cotidiano e passagens
fundamentais da vida do professor Aquiles
Oeirense dos Anzóis Pereira, o protagonista e
narrador da obra, que também se converte num
inusitado autor da mesma. Nela, os registros da
vida de Aquiles – num texto que não foi editado,
nem sofreu cortes, alterações..., portanto – que se
constituem em objeto de interesse memorial e de
direção na dinâmica da sua consciência vão de
abril de 1985 a janeiro de 2004, embora vez por
outra haja regressão temporal, com passagens
por períodos anteriores. De qualquer modo,
progressiva ou regressivamente, ali estão tempos
vividos pelo protagonista ou acontecimentos
registrados nas recentíssimas histórias do país e
do mundo.

A narrativa começa com a notícia do falecimento
de Tancredo Neves – o ex-senador e ex-governador
de Minas Gerais, eleito presidente da
República –, em São Paulo, onde termina, quase
19 anos depois, com a presumida morte do
próprio narrador, supostamente assassinado no
final das festividades comemorativas dos 450
anos da capital paulista. E se alguém o matou
mesmo, quem o teria feito?

Embora ateu desde muito cedo, por força de
prematura formação intelectual marxista – pois
iniciada na adolescência –, o brasileiro Aquiles (do
Piauí, como o autor real, que também figura na
obra), mantém seu encanto, no decorrer da vida,
pela beleza e a força do amor – especialmente
pelo ângulo do erotismo; neste, com a vazão dada
à libido e à atração pelas/com as mulheres –, em
especial depois de se desligar da esquerda e da
militância política, para ingressar no almejado
mundo da experiência burguesa, uma opção que
se punha em seu horizonte e que se colocava
como perspectiva de vida, ainda em suas origens.
O “ópio”, do título, neste diapasão, vem ser aquela
mesma palavra empregada originalmente por
Feuerbach, quando se referia à religião e
proclamava a conhecida e famosa síntese: “A
religião é o ópio do povo”. Para o protagonista e
narrador de “O ópio”, no entanto, não apenas a
religião o é, mas igualmente pode sê-lo o amor, o
dinheiro, o sexo..., ou seja, esses e todos os mais
diversos meios de se escapar da falta de sentido
da vida – aqui, não na perspectiva romântica e
shopenhauriana, mas talvez em viés
existencialista – e da inexorabilidade da morte – a
que leva a outra “rumo ao nada”.

Entretanto, ao contrário do que ocorre com
conhecidas implicações surgidas da afirmação
feuerbachiana, e, mais ainda, do concebido por K.
Marx – o mais ilustre dos epígonos do carrasco do
idealismo alemão (Feuerbach), esta obra não faz
qualquer apologia do ateísmo, porquanto é de
interesse íntimo e igualmente objetivo do
protagonista a crença coletiva, à medida que ele, de
forma contraditória, mas também cínica e
absolutamente conservadora, faz inscrição na
expectativa de sua permanência, por temer a
descrença geral como algo potencialmente
imprevisível, inclusive política e socialmente.

O título alternativo da obra – “Memória e
consciência...” –, por sua vez, logicamente estaria
em desordem, já que, na natureza, consciência e
memória é a ordem natural..., posto que a primeira
constitui-se em capacidade humana anterior e
origem de tudo aquilo que se deposita na última. No
contexto da presente, todavia, em que a seqüência
natural não se deixa observar e onde tudo se
mistura e se embaralha – memória e consciência,
consciência e memória... –, não há preocupação
em obedece-la, pois o que orienta a narrativa – se é
que aqui há mesmo uma orientação – é apenas o
tempo físico, ou histórico, que – óbvio – tem relativa
autonomia da subjetividade, ou, mais ainda e
especificamente, da pessoa do narrador.

Eis, finalizando e em síntese, “O ópio”, ou “Memória
e Consciência...”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário